As corujas trazem consigo diversos significados, mas, o mais fortes deles é o de mau presságio devido o seu pio assustador que muitas vezes cortam o silêncio da madrugada. Porém, também são vistas como simbolo de mistério e da filosofia, por serem consideradas na mitologia como sábias. E por terem tantos significados são personagens de diversas lendas como esta abaixo.
Uma estradinha de terra vermelha cruzava a imensidão de pés de café sob uma fina e compacta poeira. Pela estradinha uma carroça em alta velocidade parecia querer vencer o tempo e a velocidade.
E não era pra menos, na carroça viajava a velha parteira dona Irina, que fazia de sua vida o esforço para trazer ao mundo mais uma criança.
Dona Irina como era conhecida tornou-se a líder espiritual daquela região, viajava por entre os benzimentos e os conselhos. Cuidava para que as crianças viessem ao mundo através de suas mãos. Uma mulher forte, intrigante, misteriosa. A sua fé conduzia os pensamentos das mais diferentes opiniões. Pra alguns, uma bruxa ligada aos feitos sombrios dos rituais e de magias. Pra outros, uma mulher abençoada por Deus.
Irina, não media esforços para ver seu povo bem. Cruzava noites em claro, não comia pra mais de vezes apenas para acalentar um pobre moribundo.
Lembro-me que meados do mês de agosto as tardes eram longas, os cafezais do norte do Paraná reluziam seu verde forte, imponente. Nas colônias os caboclos se agitavam para um ano farto e feliz. Naquele mês a cegonha tinha sido generosa, pois quatro mulheres que estavam grávidas deveriam dar a luz. Dona Irina já havia preparado todo seu aparato para a grande missão. Na fazenda do Taquaruçu, Dona Maria engravidou e daria a luz ao estripulento Inhá, na Fazenda São Vicente, Katarina pariria Toim, já na Fazenda Quebra Canoas nasceria o Mauro, filho do Léro-léro, enquanto que no vilarejo do Panema, dona Julia trraia ao mundo, Jubinha. Mas para Irina tudo se resolveria numa questão de fé, organização e um pouquinho de sorte. A vida caminhava lentamente como tudo naquela região. O rio Engano abastecia as pequenas casas ainda de madeira, o João Preto ainda gargalava sua caninha, o Joaquim com seu radinho sofria com a fase ruim de seu time “ o Santos”. Tudo parecia na maior normalidade até que entrou pela vila na maior da correria o peão Agildo montado em seu pangaré rumando-se a casa da velha benzedeira. Ainda de sobre seu cavalo e muito afoito foi dizendo:
___ Corre dona Irina, pois o trem ta brabo lá na fazenda. Dona Maria parece que vai dar a luz e estão dizendo que dona Katarina, dona Julia e Bastiana também estão passando mal. Parece dona Irina que as quatro mulheres vão dar a luz de uma só vez.
___ Não se preocupe meu filho, há jeito pra tudo. Disse dona Irina com uma calma invejável. Acenou ao seu Zé que já vinha com a carroça arriada. Dona Irina juntou seus apetrechos de parteira jogou tudo dentro de uma mucuta, subiu na carroça e dirigiu-se rumo as fazendas.
Há tempo não chovia na região e naquele dia as pesadas nuvens pareciam programar uma tempestade. O vento já havia chegado fazendo da região um caldeirão de poeira vermelha cobrindo todo o céu. Era tanta poeira que o céu ficou vermelho, um cenário arrepiador.
Mas a velha parteira não se intimidava e cruzando aquela ventania empoeirada chegou a Fazenda Taquaruçu onde dona Maria já iniciava o parto. E foi assim, com sua calma e sua sabedoria popular que dona Irina trouxe ao mundo o forte Inhá. Sem perder tempo montou na carroça de seu Zé e rumou-se a Fazenda Dois Irmãos, onde Katarina sofria de dores com a chegada do garoto Toim. Enfim a chuva chegou, mas diante a alegria de ver a terra molhada novamente chegou também a preocupação, pois ventava muito, e como se não bastasse com a chuva veio o granizo. E agora, aquela que era uma empoeirada e seca estrada, se tornara em um escorregadio e intransponível mar de lama. Mas para a velha guerreira, só Deus a impediria de ver mais um rebento chegar ao mundo.
A chuva era muito forte, o vento jogava a carroça de um lado paro o outro, mas não demorou muito a Fazenda Quebra Canoas recebia a visita da velha parteira. E foi assim que Mauro veio ao mundo para somar mais um encapetado caipirinha naquelas bandas.
Os sinais de cansaço já incomodavam a mulher, mas ainda havia uma criança para vir ao mundo, e ela não poderia falhar. Aconselhada a esperar a chuva passar, ela não se intimidou dizendo:
___ A natureza não espera, e eu também não. Dizendo assim já estava sobre a carroça e chamando pelo velho Zé.
A chuva não dava trégua, o vento aumentava, o granizo caia com pedras lançadas por estilingues. Mas a missão precisava ser cumprida.
O velho burro que puxava a carroça já não resistia mais. E ao passar pela ponte branca do rio Engano o animal escorregou-se na lama da estrada vindo a lançar a carroça contra um barranco. Dona Irina e seu Zé foram jogados fortemente contra a mureta de proteção da ponte. Seu Zé nada sofreu, mas a velha parteira por ter batido com a cabeça, ficara por alguns minutos desacordada e quando voltou a consciência notou um corte profundo na altura do supercílio.
Dona Irina arrancou de dentro da mucuta um lenço, enrolou na cabeça, pegou o velho Zé pelo braço e rumou-se a casa de dona Julia.
Cambaleou, mancou, quase se rastejou, mas em pouco tempo batia a porta da casa da mãe em trabalho de parto.
E não demorou muito se refez, e entre um carinho e outro ao corte do cordão umbilical a velha parteira trouxe ao mundo o moleque Jubinha.
Dona Julia abraçava pela primeira vez a sua cria, enquanto no fundo da sala de piso de assoalho dona Irina fechava os olhos e ali mesmo nos braços de seu companheiro, morria.
Porem, diante a bondade daquela vivente, os deuses não permitiram que ela simplesmente se fosse como um ser comum. A chuva cessou, nenhuma pedra de granizo mais caiu. O céu tornou-se límpido e de um azul estonteante.
Foi assim diante deste cenário e ao som do choro do recém nascido que uma luz vinda dos céus entrou pela janela daquela casa, cobriu o corpo já inerte da velha mulher e numa misteriosa metamorfose a parteira foi se transformando numa imponente e linda coruja branca.
E desde este dia, ela vive pelos sertões do Paraná num voo solitário, cortando o silencio da madrugada e anunciando a chegada de mais um bebe.